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Cultura brasileira em luto: artistas que perderam a luta contra a Covid-19
Maio 21, 2021
Os desafios para a distribuição da vacina contra a Covid-19
Julho 5, 2021Da criatividade à solidariedade, artistas cearenses desenvolvem estratégias para driblar a crise e respeitar o necessário isolamento social
Por Klycia Fontenele
Arte: Raphaela Façanha
Na penumbra, o centro do palco é iluminado por um jovem de branco, que dança. Sorri quando a dor te torturar e a saudade atormentar… Com gestos precisos, a música ganha movimento na coreografia de Idell Andrade, e novos sentidos no Instagram do artista. E ao notar que tu sorris todo mundo irá supor que és feliz…
Idell Andrade, faz parte da Cia Balé Baião na cidade de Itapipoca, interior cearense. Com 27 anos “de resistência e reinvenção”, como costuma dizer, Idell desenvolve, junto à companhia, um trabalho pioneiro de investigação, pesquisa, produção e difusão de danças cênicas contemporâneas, atravessadas por estéticas e narrativas negras, ameríndias e populares.
O coletivo é formado por dez multiartistas, com atuação nas áreas da música, do teatro, da poesia, audiovisual e artes plásticas. “Somos dançarines, intérpretes, criadores; artistas híbridos desde sua gênese.”. Explica Idell, ressaltando a defesa de uma arte militante que respeita a diversidade humana e que utiliza as vivências dos integrantes da Balé Baião para compor os espetáculos.
“Partimos dos mitos pessoais de cada dançarine, das suas ancestralidades e engajamentos políticos, vislumbrando danças cênicas coletivas, ritualísticas e interacionais.”, completa. “As estéticas, poéticas e dramaturgias dos trabalhos coreográficos nascem de questões relacionadas ao corpo contemporâneo e das implicações em seus territórios de existência.”, conclui.
Quando a pandemia por Covid 19 chegou, a ordem foi mesmo reinventar-se para resistir. “É quase impossível imaginar a obra de um artista sem a presença do público; sem seu sorriso, afeto e abraço após a apresentação. Tivemos, então, que desenvolver maneiras outras de sentir o carinho e afeto do público, que para nós é mais que um mero espectador; ele compõe a obra.”, relembra Idell.
Em 2020, no primeiro ano da pandemia, artistas do mundo inteiro precisaram adaptar as formas de expressão artísticas à realidade virtual. Assim, a linguagem multimídia das redes sociais, com os emoji de alegria, palminhas e sorrisos, e as plataformas de bate-papo foram os elos entre artistas e público. Naquele ano, a Lei de Emergência Cultural Aldir Blanc, do Fundo Nacional da Cultura, aprovada em junho, e o próprio Auxílio Emergencial, que contemplou artistas, também foram preciosos.
“Além das cestas básicas, do Auxílio Emergencial Federal, tivemos a Lei Aldir Blanch que foi importante para o segmento. Não só os músicos foram beneficiados, mas os diversos profissionais que compõem a cadeia produtiva da Cultura. Tivemos também os auxílios emergenciais municipal e estadual, que apesar dos atrasos e atropelos por parte das secretarias, têm feito uma diferença em tempos de pandemia.”. Avalia o músico, fundador da Associação Cultural Cearense do Rock (ACR), idealizador e produtor executivo do ForCaos, Amaudson Ximenes.
Lembrando aquele momento, Amaudson destaca a agressividade do impacto da pandemia que levou ao fechamento de centros culturais, escolas, bares, restaurantes, barracas de praia, buffet etc. “O impacto foi muito grande, muito agressivo, criando incertezas, desemprego, pânico na categoria. Por se tratar de um fenômeno novo, muitos colegas não souberam como lidar com a pandemia. Vi colegas ficarem sem renda, sem perspectiva. Também presenciei o desaparecimento de muitos amigos, inclusive um diretor nosso, o Ricardo Maia. Enfim, a pandemia atingiu em cheio o nosso segmento, que depende muito do público, da aglomeração de pessoas, do contato. Fomos os primeiros a parar e seremos os últimos a retornar.”.
Após vários meses de atividades exclusivamente remotas, o final de 2020 trouxe a flexibilização de algumas medidas sanitárias e os integrantes da Cia Balé Baião voltaram a se reunir presencialmente para dar continuidade aos trabalhos do coletivo. “Tivemos os primeiros contatos presenciais para produção de obras, ensaios e realizações de pequenas reuniões. Imbuídos de afeto, aconchego e cautela, por causa do contexto, desenvolvemos mostras virtuais. Cuidamos da manutenção técnica e afetiva da cia.”, conta Idell.
Feliz ano velho
O ano virou, mas a situação ficou ainda mais complicada. O agravamento da pandemia no primeiro semestre de 2021 fez o Ceará voltar ao isolamento social rígido. Novamente, os artistas precisaram voltar às atividades remotas.
“Para que o segmento retorne a plenitude necessitamos de uma vacinação em massa. Não adianta abrir e fechar. Apertar os protocolos e flexibilizar. A vacina é o diferencial, vai trazer segurança para um retorno às nossas atividades.”, alerta Amaudison.
Idell concorda. “Seguimos fortes e esperançosos, confluindo por dias de cura e vacina para todes. Seguimos gerando e agregando danças e artes que conspiram poéticas do bem-viver, engajamento político em defesa da vida planetária.”.
Quando a solidariedade ajuda o artista
Com 30 anos de profissão, Amaudson é diretor presidente do Sindicato dos Músicos Profissionais do Estado do Ceará (SINDIMUCE). À frente do sindicato desde 2018, o músico viu o desafio que a pandemia trouxe para a categoria que ele representa.
“Criamos diversas campanhas. Iniciamos com a distribuição de cestas básicas. Fizemos muitas rifas de instrumentos musicais e peças de artes, cuja renda era destinada para a compra de cestas básicas e ajudar os colegas em dificuldade. No primeiro ano, tivemos uma adesão de colegas que fizeram lives beneficentes; fizeram doações. Também tivemos apoio de algumas empresas, ONGs, secretarias municipais e estaduais.”.
Já em 2021, o sindicato criou a campanha de doação, através do pix – com doações a partir de R$ 1,00. “Tivemos adesão das pessoas. Isso fez com que pudéssemos atender uma quantidade boa de músicos e suas famílias.” Outra ação foi uma campanha para ajudar, especialmente, as mulheres que sobrevivem da música, que além de doar cestas básicas, entregaram kits de higiene e limpeza.
Além das doações, um avanço alcançado pelos músicos cearenses foi a inserção da música em supermercados e farmácias, através de uma decisão do Comitê de Crise, formado por agentes governamentais, Ministério Público Estadual e Federal e sociedade civil. Apesar disso, o avanço é pouco em relação à demanda. “Somos mais de dez mil músicos no Ceará. Mesmo com o decreto publicado, ainda falta sensibilidade por parte dos empresários.”, contesta Amaudison.
Para ajudar a difundir as ações, o jornal O Povo lançou uma campanha publicitária. “Isso tem dado mais visibilidade ao que estamos fazendo para ajudar os músicos e seus familiares.”, diz Amaudison. “É uma rotina pesada e penosa, iniciada em abril de 2020 que perdura até os dias de hoje, mas também muito gratificante.”. Finaliza o artista com os olhos no afeto que a solidariedade traz.
No Brasil, trabalhar com arte tem sido sinônimo de resistência, mesmo antes da pandemia. “O artista é um ser que está a reinventar o tempo todo. Por isso, não deve temer as novas formas de produzir e gerar arte. Perceber a reinvenção gerada na pandemia é estar atentes ao novo formato de criar, compartilhar, difundir e gerar pontes entre o artista que está em uma cidade e o público que pode estar em outra cidade, outro estado ou outro país quebrando os muros de uma arte inacessível e possibilitando uma arte para todes. Atentes no agora, acreditamos que esse é o nosso combustível: a reinvenção.”, conclui Idell a esperançar.
Curiosidade: O Sindicato dos Músicos Profissionais do Estado do Ceará (SINDIMUCE) foi criado em 1942 pelo cantor e compositor José Jatahi. Pioneiro nas apresentações da Ceará Rádio Clube, José Jatahi é o autor do hino do Ceará Sporting Club e de diversas músicas em parceria com Luiz Gonzaga.
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